Desistência voluntária & Arrependimento eficaz (art 15, CP)

Art. 15O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.

Nós temos no art. 15, dois institutos: a desistência voluntária e o arrependimento eficaz. Ambos são espécies da chamada tentativa qualificada ou tentativa abandonada. O art. 14, II, traz a tentativa simples e o art. 15, a tentativa qualificada, que tem duas espécies: desistência voluntária e arrependimento eficaz.

Tentativa qualificada = desistência voluntária e arrependimento eficaz.

  • DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA

Conceito: “O sujeito ativo abandona a execução do crime quando ainda lhe sobra, do ponto de vista objetivo, uma margem de ação.”

Elementos: Não confundir tentativa simples com desistência voluntária. Na tentativa simples há o início da execução e o segundo elemento: não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente. Na desistência voluntária há o início da execução e o resultado não ocorre por circunstâncias inerentes à vontade do agente. Você abandona a vontade de consumar o delito. Por isso que a desistência é chamada de tentativa abandonada. Começa como tentativa, mas abandona no meio.

* Na tentativa eu quero prosseguir, mas não posso. Na desistência voluntária, eu posso prosseguir mas não quero.

Desistência voluntária ≠ espontânea: voluntária admite interferência externa. Espontânea, não. A espontânea tem que partir de você. A lei não exige que a desistência parta de você. Ela admite interferência externa. Ex.:  Eu estou furtando um veículo. Uma pessoa olha e fala: “Não faz isso. É feio. É pecado.” Eu abandono meu intento e vou embora. Há desistência voluntária; No mesmo exemplo, durante a ação, uma luz se acende. Eu olho a luz e desisto de prosseguir. Há tentativa.

No caso de haver interferência subjetiva, ocorre desistência voluntária; Caso haja interferência objetiva, haverá tentativa.

* “Voluntária é a desistência sugerida ao agente e ele assimila, subjetiva e prontamente, esta sugestão, esta influência externa de outra pessoa.”

* “Se a causa que determina a desistência é circunstância exterior, uma influência objetiva externa que compele o agente a renunciar o propósito criminoso, haverá tentativa.”

Obs.: A jurisprudência não observa muito isso, mas as questões de concurso observam. Salvo defensoria pública, em que, nas duas hipóteses você vai alegar que é desistência.

Consequência: Na tentativa simples, em regra, a consequência é reduzir a pena de 1 a 2/3; Na desistência voluntária não tem redução de pena. Ele responde pelos atos até então praticados. Ex.: Eu quebrei a porta de um veículo para subtrair e desisti. Eu vou responder não por tentativa de furto, mas por dano.

* Adiamento da execução configura desistência voluntária? Exemplo: O sujeito vai furtar uma casa, começa tirando as telhas, para e pensa: “eu continuo amanhã porque agora estou cansado.” Ele adiou a execução para o dia seguinte. Se ele for preso descendo do imóvel, ele é preso por tentativa de furto ou desistência voluntária? E se ele é preso amanhã, antes de começar a remover a telha? Ele é preso por tentativa de furto ou por desistência voluntária? O mero adiamento da execução configura desistência voluntária?

1ª Corrente“A desistência momentânea é irrelevante, devendo sempre ser definitiva (para essa corrente, há tentativa).” Desistência momentânea não interessa. Para configurar o art. 15, a desistência tem que ser definitiva. Aí, aplica-se o art. 14, II.

2ª Corrente“Se o agente apenas suspende a execução e continua a praticar posteriormente, aproveitando-se dos atos já cometidos, temos tentativa; se, no entanto, o agente não renova a execução por sua própria vontade, haverá desistência voluntária.” Você removeu as telhas. Se você voltar lá e retomar a remoção de telhas, e for pego nesse momento, é tentativa. Prevalece a segunda corrente.

  • ARREPENDIMENTO EFICAZ

Art. 15 – O agente que, voluntariamente, (…) impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.

Conceito: “Ocorre quando o agente, desejando retroceder na atividade delituosa percorrida, desenvolve nova conduta, após terminada a execução criminosa.”

O arrependimento eficaz esgota os atos executórios, mas impede o resultado, retroagindo, retrocedendo no seu comportamento, agindo de maneira inversa. O sinônimo de arrependimento eficaz denomina-se resipiscência.

Elementos: Na desistência há o início da execução e não consumação por circunstâncias inerentes à vontade do agente. No arrependimento eficaz, tem-se o início da execução e a não consumação por circunstâncias inerentes à vontade do agente. Até aqui, não há nenhuma diferença. A diferença está aqui: no arrependimento eficaz, o agente esgota os atos executórios. Na desistência voluntária, ele abandona antes de esgotar os atos executórios (ainda havia ato executório para ser realizado).

São quatro fases: Cogitação, Preparação, Execução e Resultado.

Tanto na desistência voluntária quanto no arrependimento eficaz, eu inicio a execução. Já não estou mais em cogitação e nem em atos preparatórios. Na desistência voluntária eu abandono quando ainda tenho atos executórios para serem realizados e no arrependimento eficaz eu esgoto a execução.

“É possível arrependimento eficaz em crime formal?” Em crime formal ou de mera conduta, quando você esgota a execução, haverá a consumação. Não existe arrependimento eficaz em crime formal!

* O arrependimento eficaz só é cabível em crimes materiais, pois nestes a execução está separada do resultado.

Obs.: O arrependimento também precisa ser voluntário e não necessariamente espontâneo e eficaz. Arrependimento ineficaz não gera efeitos, pode, no máximo interferir na pena, mas não gera outro efeito.

Consequência: O agente responde pelos atos até então praticados.

Exemplo: Eu dou três tiros em alguém. Me arrependo e presto socorro. Se os médicos conseguem salvar a sua vida, houve um arrependimento eficaz. Eu vou responder por lesão corporal, que são os atos até então praticados.  Agora, se a vítima morrer, foi um arrependimento ineficaz.

* Desistência voluntária e arrependimento eficaz configuram causa de exclusão da tipicidade ou de extinção da punibilidade? Temos duas correntes:

1ª Corrente – Entende que é caso de exclusão da tipicidade. A tentativa é uma norma de extensão: Gera uma tipicidade indireta. Eu tenho a norma, que é ‘matar alguém’ e eu tenho o fato, que é tentar matar alguém. O tentar matar não se ajusta ao art. 121. Eu preciso me socorrer do art. 14, II, para poder chegar na norma do segundo tipo. Então, a primeira corrente diz o seguinte: que a desistência voluntária e o arrependimento eficaz impedem a tipicidade indireta, logo, exclusão da tipicidade. A desistência voluntária e o arrependimento eficaz são circunstâncias inerentes à vontade do agente. Se é assim, eu não posso me socorrer do art. 14, II, logo, não há tipicidade. Isso porque o art. 14, II exige que a circunstância seja alheia à vontade. Se a circunstancia é inerente à vontade, eu não tenho como me socorrer da norma de extensão e se não tenho como me socorrer da norma de extensão, não há tipicidade. Por isso, você vai responder apenas pelos atos até então praticados. Corrente adotada por Miguel Reale Júnior.

2ª Corrente – Entende que é causa de extinção da punibilidade. Com isso, afirma que existe tentativa pretérita, não punível por razões de política criminal. O legislador não pune a tentativa inicial por razões de política criminal, para fomentar a desistência e o arrependimento. A segunda corrente não nega que no início, quando você deu o tiro, você quis matar. Então, houve uma tentativa pretérita. Mas eu não vou punir essa tentativa pretérita por questões de política criminal. Corrente adotada por Nélson Hungria.

Na doutrina, prevalece a segunda corrente. Ambas são causas extintivas da punibilidade.

Direito Penal por Rogério Sanches

21 Respostas to “Desistência voluntária & Arrependimento eficaz (art 15, CP)”

  1. Arão Borges Says:

    Claro, objetivo e susciinto. maravilha de explanação juridica.
    Até mesmo para os que não são do meio devem ter entendidol.
    Parabéns.

  2. Muito boa a explanação, pois através da explanação eliminou algumas dúvidas a respeito da desistência voluntária e arrependimento eficaz. E também a posição da legislação pátria em que vê a política criminal como insentivadora para fomentar a desistência e o arrependimento, pois que, uma vez é melhor se arrepender do que prosseguir com o feito.

  3. Marcos Antonio da Silva Says:

    Caro colega, seu artigo é fenomenal, sua capacidade é ímpar, percebe-se muita incisividade, contundência e resultado final, acho até que esgotou todas as possibilidades de questionamento do assunto. Sugiro a você reunir Técnicas de clareza e transparência e editar um livro ou um manual, e mandar um exemplar para mim.

  4. A maneira que escreve ,me faz lembrar de um conceituado civilista baiano [Pablo Stolze] que faz da sua capacidade na comunicação:Um bálsamo para o entendimento, simples e objetivo. Parabéns, e muito obrigado!

  5. Eu particularmente adorei e pude extrair muita informações que eu tinha dúvidas. Parabens!

  6. No último parágrafo, entendi que as duas correntes excluem a punibilidade, quando na minha interpretação a primeira corrente, não exclui, tendo em vista que o agente infrator terá que responder pelos atos até então praticados. Podem me auxiliar?

  7. MARCIA MORTAAGUA Says:

    MUITO BOM ME AJUDOU MUITO VALEU

  8. Muito claro, objetivo e prático. Não utiliza palavras difíceis e bem entendível. Muito obrigado ajudou muito!

  9. Daniela Sousa Says:

    respondam por favor : O arrependimento eficaz tem como pressuposto a consumaçao do delito?

    • Daniela,
      No arrependimento eficaz o agente ” impede que o resultado do crime se produza”. Impede pois, a consumação do delito.
      Então, só será possível o arrependimento eficaz em crimes materiais (o qual necessita do resultado para se configurar). Nestes, o agente realiza a execução do ato, mas antes que ocorra o resultado, arrepende-se.
      Já no crime formal ou de mera conduta, portanto, não pode haver arrependimento eficaz, pois este tipo de crime exaure-se com a própria execução.
      A resposta para sua pergunta é NÃO. Não deverá haver a consumação (no crime material), pois assim sendo, o arrependimento não será eficaz (o crime já se exauriu).

      • Jéssica, me desculpe discordar de você , mais no arrependimento eficaz estamos diante do pressuposto da “conduta delituosa” os crimes materiais para a consumação desse delito, num sentido vulgar e mais amplo, pode afirmar-se que em muitos crimes há pressupostos do fato, enquanto o próprio fato que constitui o delito exige um antecedente necessário. Assim, por exemplo, a virgindade da vítima, no crime de sedução; a gravidez, nos crimes de abôrto; o matrimônio anterior, na bigamia e adultério; a honestidade da vítima, no rapto, etc. Em todos êstes casos, porém, a culpabilidade deve referir-se também ao pressuposto do fato, e, assim sendo, ele integra, evidentemente, “a conduta delituosa”, não constituindo pressuposto do crime.

      • Leandro,
        Com a devida vênia, o crime de sedução é fato atípico, pois foi revogado em 2005 pela Lei n. 11.106. Revogando também o crime de rapto (tanto o violento como o consensual) e o adultério, os quais não mais existem.
        E de fato, em alguns crimes, deve haver um pressuposto. No aborto, a vítima deve estar grávida; no homicídio, viva; e assim por diante. Não entendi onde esse ponto enquadra-se no arrependimento eficaz.

  10. Alexandre Coimbra Says:

    Estou estudando para uma prova e tirei muitas dúvidas aqui, Muito bom mesmo.

  11. junior martinez Says:

    no arrependimento eficaz estamos diante do pressuposto da “conduta delituosa” claro, pois se não houvesse o delito não seria possivel ter arrependimento, como um individou vai se arrepender de algo que não comenteu ?

  12. Um Bombeiro Militar, em seu dia de folga, não estando usando uniforme,
    cliente de determinado banco falsificou documentos pessoais de terceiro, comprovante
    de residência, entre outros documentos, com a finalidade de abertura de conta corrente
    em estabelecimento bancário. Após a abertura da conta, recebeu cartões de crédito e
    débito e, decorridas algumas semanas, solicitou e conseguiu empréstimos bancários.
    Entretanto, antes de levantar os valores disponibilizados na conta corrente, o agente
    arrependeu-se das condutas delituosas praticadas e confessou todo o ocorrido ao
    gerente do banco que imediatamente fez o bloqueio da conta. Nessa situação, está
    presente a figura da desistência voluntária prevista no CP, o que enseja a exclusão de
    ilicitude do fato.

  13. Boa tarde pessoal. Obrigado por dividir estes conhecimentos e esclarecimentos. Confesso que tinha alguma dificuldade na abstração destes conceitos. Estou no 9º período e adoro a área penal, é uma verdadeira obra de arte, pena que muitos não levam a sério. Valeu…

  14. Ótima síntese de ideias. Parabéns pela ordem,exemplos e assuntos ,pois foram de grande ajuda. Obrigada!!

  15. muito bom o conteúdo me ajudou muito em meus estudos.

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