Notas sobre o furto (art. 155, CP)

  • Doutrina dominante entende que o objeto jurídico do crime de furto é a propriedade e a posse, pois somente haveria perda patrimonial em tais casos. Somente o conjunto de bens, de valor econômico devem ser protegidos pelo Direito Penal, não tendo o condão de incluir o detentor na tutela jurídica.
  • A res nullius (coisa de ninguém) e a res derelicta (coisa abandonada) não podem ser objeto material do crime de furto.
  • O detentor que se acha em relação de dependência, conservando a coisa em nome do proprietário ou por instruções deste não pode ser furtado, contudo se ocorrer a subtração, o proprietário é quem será furtado.
  • Pacífico o entendimento de que a coisa abandonada (res derelicta), a coisa de ninguém (res nullius) não podem ser objeto do crime de furto, assim como a coisa perdida (res desperdita) que constitui o crime de apropriação de coisa achada. Pacífico também o entendimento de que considera – se móvel, diferentemente do Direito Civil, aquilo que realmente pode ser transportado de um lugar para o outro. Para efeitos penais o que vale é a realidade fática do objeto.
  • Há divergência no que se refere ao valor econômico da coisa. Segundo Damásio de Jesus é necessário que a coisa móvel tenha valor econômico. Entretanto, embora sem valor econômico, os objetos que têm valor de afeição podem ser objeto material de furto. Em sentido contrário, afirma Guilherme de Souza Nucci não ser objeto material do crime de furto coisas de estimação, pois é coisa sem valor econômico. Caso seja subtraída por alguém, cremos que a dor moral causada no ofendido deve ser resolvida na esfera civil, mas jamais na penal, que não se presta a esse tipo de reparação. Os tribunais não têm se manifestado acerca do assunto, mas tão somente na aplicação ou não da lei penal nos crimes ditos de bagatela.
  • Não é possível o furto de cadáver, em virtude de não ser o mesmo objeto material. Não se pode atribuir valor econômico a um corpo. Não se compra ou vende cadáveres no comércio, assim como o cadáver não integra o patrimônio do possuidor. Concebemos, contudo, a possibilidade de constituir crime contra o respeito aos mortos, art. 211, CP.
  • STF e STJ vêm decidindo que bens de valor insignificante se diferem de bens de pequeno valor. O Primeiro excluiria o crime, em observância a tipicidade conglobante, contudo o segundo não, podendo no caso concreto, caracterizar o furto privilegiado. Para os bens de valor insignificante não haveria ofensa a bem jurídico, o que não ocorre na segunda hipótese, não sendo, portanto um indiferente penal. Afirmam ainda os egrégios tribunais que, afastar a aplicação da lei penal das condutas dirigidas aos bens de pequeno valor seria um incentivo à criminalidade.
  • Em acórdão proferido pelo extinto TACRIM, encontram – se alguns julgados em que deve – se considerar, não somente o valor do bem, mas também a condição econômica da vítima em relação ao bem subtraído, assim como se houve efetivo prejuízo para a vítima.
  • A análise do crime de furto, tendo em vista a realidade fática não nos permite conceber que haveria concurso de crimes (furto + estelionato – com a posterior venda do objeto furtado), já que em geral, o autor de crimes contra o patrimônio, em especial o de furto, em regra, não possui interesse no objeto em si, pois a coisa subtraída somente lhe é vantajosa na medida em que pode ser transformada em dinheiro, atuando o agente, com animus lucrandi, razão pela qual entendemos que a venda da res furtiva é mero exaurimento do crime de furto.
  • A jurisprudência dominante entende que estaria presente a majorante do furto noturno quando o delito é praticado durante o horário de repouso noturno, entendendo aqui que leva – se em consideração o horário do repouso noturno de determinada região ou local, pois haveria nessa circunstância menor vigilância e maior vulnerabilidade, o que ensejaria em maior desvalor da conduta, sendo irrelevante se a casa é ou não habitada, se é praticado em residência ou não, com moradores nela repousando, não exigindo que seja nas dependências, propriamente ditas, da casa.
  • O sujeito passivo do crime de furto pode ser pessoa física ou jurídica.
  • Não existe furto culposo.
  • De acordo com o STJ e com o STF, o crime furto se consuma com a APREENSÃO da coisa, não havendo necessidade de posse mansa e tranquila.
  • Havendo violência, grave ameaça ou QUALQUER OUTRO RECURSO que REDUZA a vítima à INCAPACIDADE de RESISTÊNCIA, haverá crime de roubo, e não furto.
  • A situação do “FURTO FAMÉLICO” exclui a ANTIJURIDICIDADE. É a subtração, em sacrifício último, que leva o agente a subtrair alimentos para se alimentar.
  • A subtração de um cadáver caracteriza crime contra o respeito aos mortos, salvo quando possui valor patrimonial e pertence a alguém, restando configurado o crime de furto.
  • O princípio da insignificância é aplicado ao crime de furto, quando a situação constituir um irrelevante penal. É a posição do STF e do STJ. Fato insignificante é atípico.
  • Quando o agente entra na casa de alguém para furtar, o crime de violação de domicílio fica absorvido pelo furto.
  • Coisas de estimação, SEM VALOR ECONÔMICO, podem ser objeto de furto? NÃO. Ex.: caixa de fósforos.
  • O STF entende que a causa de AUMENTO do REPOUSO NOTURNO, no crime de furto, INCIDE mesmo em CASA DESABITADA.
  • O STJ entende que a causa de aumento de pena do repouso noturno existe mesmo se não ocorrer durante o repouso, bastando o período noturno.
  • A causa de aumento de pena do REPOUSO NOTURNO SOMENTE se aplica ao furto na FORMA SIMPLES.
  • Ocorre FURTO PRIVILEGIADO se o criminoso é PRIMÁRIO e é de PEQUENO VALOR a coisa, podendo a pena de reclusão ser substituída por detenção, diminuir de 1/3 a 2/3, ou aplicar somente multa. Pequeno valor é o prejuízo mínimo; ou, segundo outro critério, valor abaixo de um salário mínimo vigente.
  • No furto qualificado por rompimento de obstáculo, este deve ser sempre meio para a subtração, não havendo crime de dano, para evitar dupla punição pelo mesmo fato. Porém, se depois do furto, por puro vandalismo, o agente destrói bens no local, responderá também por crime de dano. O OBSTÁCULO NÃO PODE SER a própria COISA a ser SUBTRAÍDA. Deve ser exterior à coisa a ser subtraída.
  • No furto qualificado com abuso de confiança, apenas uma RELAÇÃO EMPREGATÍCIA NÃO É O SUFICIENTE para configurar relação de confiança; isto é, por si só, o fato de o empregado subtrair coisa de seu empregador não caracteriza a qualificadora.
  • Qual a DIFERENÇA entre FURTO QUALIFICADO COM ABUSO DE CONFIANÇA e APROPRIAÇÃO INDÉBITA? Nesta, a coisa é entregue de forma lícita; ao contrário, no crime de furto qualificado, o abuso de confiança apenas diminui a vigilância sobre a coisa, facilitando sua subtração.
  • Qual a exata diferença entre FURTO MEDIANTE FRAUDE e ESTELIONATO? No crime de furto mediante fraude, é a fraude que possibilita a subtração; no estelionato, o agente obtém a posse da coisa que lhe é transferida pela vítima por ter sido induzida em erro.
  • Na hipótese de transações bancárias fraudulentas, onde o agente se vale de meios eletrônicos para efetivá-las, o cliente titular da conta lesada não é induzido a entregar os valores ao criminoso, por qualquer artifício fraudulento (caso de estelionato). Na verdade, o dinheiro sai de sua conta sem qualquer ato de vontade ou consentimento. A fraude, de fato, é utilizada para burlar a vigilância do Banco, motivo pelo qual a melhor tipificação dessa conduta é a de furto mediante fraude.
  • De acordo com o STJ, ocorre FURTO MEDIANTE FRAUDE, e não estelionato, o agente que, a pretexto de testar veículo posto à venda, subtrai o veículo.
  • O furto mediante escalada é o exercido por meios anormais. NÃO SIGNIFICA OBRIGATORIAMENTE SUBIDA. Pode ser cavar um túnel.
  • O furto qualificado com DESTREZA existe quando o agente se utiliza de HABILIDADE ESPECIAL (ex.: “puxadores de carteira”, denominados de “punguistas”).
  • A qualificadora da chave falsa é todo instrumento que gere o mesmo efeito da verdadeira (ex.: um grampo utilizado para abrir uma fechadura). Abrange, inclusive, a imitação da chave verdadeira.
  • Majoritariamente, entende-se que A UTILIZAÇÃO DA VERDADEIRA NÃO CARACTERIZA emprego de CHAVE FALSA. Assim, se encontra a chave na porta, não haverá a qualificadora, porque não é empregada a “falsa”, e sim a verdadeira.
  • ATENÇÃO !!! Se o agente engana a vítima para conseguir a chave verdadeira, haverá furto qualificado pelo emprego de fraude, e não pelo emprego de chave falsa.
  • IMPORTANTÍSSIMO !!! No crime de furto, haverá a qualificadora do concurso de agentes ainda que os outros membros sejam inimputáveis, e mesmo que não sejam identificados.
  • Será qualificado o furto se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. Ressalte-se: SOMENTE se configura QUANDO o veículo ULTRAPASSA a fronteira do Estado ou país.
  • No crime de furto de coisa comum (art. 156), não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente (§2.º)
  • FURTO PRIVILEGIADO-QUALIFICADO. Existe a possibilidade de se aplicar a privilegiadora prevista no §2.º (criminoso primário e coisa de pequeno valor) ao crime de furto qualificado (§4.º, do art. 155)? Sim. É a atual orientação do STF. Nada impede que seja reconhecido o furto privilegiado-qualificado, pois as qualificadoras têm natureza objetiva. O STJ se posiciona contrariamente à possibilidade de aplicação do privilégio ao crime de furto qualificado.
  • A cártula de cheque assinada, ainda que não preenchida, pode ser objeto de crime contra o patrimônio, eis que nessas condições, diferente do cheque totalmente em branco, assume feição de título ao portador, dotado assim de valor econômico intrínseco. A caracterização de crime impossível, por absoluta impropriedade do objeto, requer, nos delitos patrimoniais, que a res seja completamente destituída de valor econômico, situação não verificada nessa hipótese. Em síntese, segundo recente orientação do STJ, a subtração de cártula de cheque assinada, ainda que não preenchida, configura crime de furto.
  • Os sistemas de vigilância eletrônica e de alarme antifurto não são o bastante para impedir absolutamente o crime de furto. No máximo, poderiam dificultar a ação criminosa, mas não o suficiente para configurar a ineficácia absoluta do meio, necessária para o aperfeiçoamento da figura do crime impossível (art. 17 do CP). De fato, a presença de sistema eletrônico de vigilância no estabelecimento comercial não torna o agente completamente incapaz de consumar o furto, logo, não há que se afastar a punição, a ponto de reconhecer configurado o crime impossível.

Obs.: O furto de uso tem requisitos específicos, como a devolução da res em sua integralidade, no lugar de onde foi retirada e em curto espaço de tempo. / Para muitos juristas, o furto de uso é um instituto que guarda semelhanças com o estado de necessidade. Daí o fato de muitos Tribunais só reconhecerem o furto de uso quando o agente realizou a subtração movido pela necessidade de salvar um outro bem jurídico. / O furto de uso se caracteriza pela ausência de vontade do agente em se apropriar da coisa, de subtrair o bem para si ou para outrem. Se o agente subtraiu a coisa, mas com o intuito de devolvê-la a seu legítimo proprietário ou possuidor, ausente está a vontade de se apropriar exigida pela lei penal. Logo, a conduta é atípica, pois não se adequa ao modelo abstrato previsto no artigo 155; Não existe nenhum obstáculo legal ao reconhecimento do furto de uso de automóveis. Contudo, essa hipótese deve ser analisada com parcimônia. / A falta de devolução de veículo subtraído ao local de onde retirado, em decorrência de sinistro de trânsito, não impede, por si só, o reconhecimento de furtum usu. / Há situações em que a conduta do agente somente é interrompida a partir da intervenção da autoridade policial. Nessas situações, a jurisprudência vem afastando quase que unanimemente a tese de furto de uso. / O ordenamento jurídico brasileiro não aceita a figura do roubo de uso; O furto de uso é uma tese defensiva excepcional. Demanda uma grande análise do conjunto probatório dos autos, dificilmente a matéria chegará a ser analisada pelo Tribunais Superiores em sede de Recurso Especial ou Extraordinário.

FONTE:  http://jusvi.com/artigos/29769

13 Respostas to “Notas sobre o furto (art. 155, CP)”

  1. Roberto Ramsés Says:

    Gostei da objetividade.

  2. douglas dourado Says:

    Na verdade o direito penal também tutela a pessoa, a proteção a ela, e não somente bens de valor econômico. Isso que foi dito serve apenas para o capitulo em referencia do código penal eu tutela o furto.

    Mas, por outro lado, parabéns pelos comentários – parecem até a aula que tive esta semana.

  3. GILVAN - CATOLICA Says:

    Foi de um valor especial, parabéns ajudou muito.

  4. Guedias Ribeiro Says:

    Não atendeu minhas expectativas, por faltar a distinção de furto mediante fraude e apropriação indébita! valew

  5. Show de bola, muito dez esse resumo, encontrei mais coisas que na doutrina, pois tudo está muito bem explicado

  6. Uma aula-magna sobre a figura típica do FURTO, elencada no artigo 155 do CP. Esclarecimento simples, pratico e objetivo!

  7. Bruno Henrique Says:

    me esclareceu bastante seu resumo!!!!parabéns..

  8. Gostamos muito pois tem-se uma clara exposição a respeito do delito em si e da aplicação da Lei. Parabenizamos.

  9. Parabéns, Jessica, pelo excelente material. Como amante dos estudos penais, vou buscar sempre outros escritos teus.

  10. Muito bom o artigo, claro e direto, coisa que falta em muitos professores de direito…. parabéns.

  11. Juliana Dutra Says:

    Salvou a minha prova!!

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